Cannabis e ambiente de trabalho: um novo desafio na era da legalização
Com o uso recreativo de cannabis legalizado, empregadores enfrentam o dilema de proteger a segurança no trabalho sem violar os direitos dos colaboradores.
Desde a legalização do uso recreativo de cannabis em Nova Jersey em 2021, empresas estão aprendendo a lidar com uma nova realidade. Como garantir um ambiente de trabalho seguro e produtivo, enquanto respeitam o direito dos funcionários de consumir cannabis fora do expediente?
Em 2024, o mercado de cannabis no estado ultrapassou a marca de 1 bilhão de dólares em receita, um aumento de 25% em relação a 2023. Para as empresas, esse número simboliza mais do que crescimento econômico — é um sinal de que o uso de cannabis está se tornando comum, inclusive entre trabalhadores.
“Quando um empregador me pergunta se cannabis pode ser um problema, eu respondo que há um bilhão de motivos para acreditar que sim”, afirma Denis Connell, cofundador da Advanced Training Products (ATP), empresa especializada em soluções de gestão de risco por comprometimento no ambiente de trabalho.
De proibição a prevenção: uma abordagem mais equilibrada
Após a aprovação da Lei CREAMM, Connell e o sócio Jim Coyle fundaram a ATP com o objetivo de ajudar empresas a lidar com a nova legislação.
“Nós não somos contra a cannabis,” diz Connell. “Nosso foco está em garantir a segurança no ambiente de trabalho, avaliando comprometimento, e não julgando o que a pessoa faz fora dele.”
A mudança de foco faz sentido: testes convencionais de urina podem detectar cannabis dias ou semanas após o consumo, mas não indicam se o funcionário está realmente sob efeito no momento.
Políticas internas e novas exigências legais
Segundo a advogada Lauren Iannaccone, do escritório Connell Foley, mesmo após a legalização, as empresas ainda têm o direito de proibir o uso, posse ou venda de cannabis no ambiente de trabalho.
Mas para aplicar essas regras, é preciso mais do que um teste de drogas: o estado de Nova Jersey exige um “teste de suspeita razoável e objetiva” que envolva avaliação física e comportamental, com base em protocolos padronizados.
“Sem essa avaliação física, a empresa não pode tomar medidas disciplinares válidas apenas com base em um teste positivo”, explica Iannaccone.
Limitações dos testes tradicionais
De acordo com Lindsay Dischley, líder do grupo de Direito Trabalhista da CSG Law, muitos empregadores já retiraram o teste de cannabis dos exames pré-admissionais e testes aleatórios.
O motivo? O THC pode permanecer no corpo por até 90 dias. “Alguém pode fumar na sexta à noite e ainda testar positivo na segunda-feira, mesmo sem estar sob efeito”, diz Joshua Bauchner, advogado da Mandelbaum Barrett.
O grande problema é que ainda não existe um teste confiável de curto prazo, como o bafômetro para o álcool, que identifique o comprometimento por cannabis no momento da atividade profissional.
Uso medicinal: uma área legal delicada
Outro fator de complexidade é o uso medicinal. Apesar de a cannabis continuar classificada como narcótico em nível federal, Nova Jersey reconhece seu valor terapêutico. Assim, o uso médico é protegido por leis como o ADA (Americans with Disabilities Act).
“Questionar um funcionário sobre o uso de cannabis medicinal pode violar leis de privacidade médica”, alerta Bauchner.
Porém, uma decisão judicial de dezembro de 2024 trouxe mais segurança para as empresas: mesmo que um funcionário alegue discriminação, a lei agora impede ações judiciais diretas — ele só poderá apresentar queixas em órgãos administrativos.
WIRE: um especialista exigido por lei, mas pouco claro
A legislação atual exige que empresas tenham um WIRE (Workplace Impairment Recognition Expert), ou seja, um especialista treinado para identificar sinais de comprometimento.
“Na teoria, é uma solução ideal,” diz Dischley. “Mas na prática, não há instruções claras sobre como treinar essas pessoas.”
Bauchner acrescenta: “Uma empresa com 3 funcionários ou 300 mil precisa ter um WIRE. E como saber se os olhos vermelhos são por causa da cannabis — ou de uma gripe?”
Dischley recomenda que o avaliador não esteja na linha direta de supervisão do funcionário, o que se torna complicado em negócios menores.
O futuro: adaptação, não repressão
A legalização da cannabis é um fato irreversível. Agora, as empresas precisam se adaptar com políticas mais claras, foco na segurança, e respeito aos direitos individuais.
“Não temos uma resposta perfeita ainda,” conclui Connell. “Mas já estamos aprendendo a fazer as perguntas certas.”
Leitura complementar sobre o tema
Quer entender melhor como a cannabis está impactando o mercado e a saúde pública? Veja nosso artigo sobre as tendências de consumo como comestíveis, vaporização e dabbing. Descubra como a indústria da cannabis está afetando o setor vinícola na Califórnia ou leia a nossa cobertura da investigação do mercado canábico em Nova York em 2025.